A Crise: onde estão e para onde vão Luciano Alzaga* -
09.03.09
A Irlanda está à beira da insolvência. A Alemanha avisa que há problemas com outros membros, entre eles a Espanha, e recusa o seu resgate pela UE. Fala-se de implementar um ou mais euros.
O governo da Irlanda anunciou que «está à beira da suspensão de pagamentos» e este anúncio de imediato «agravou a recessão nos países europeus», de acordo com os media burgueses. O país está à porta da repetição da situação que fez ruir a economia da Islândia. Ambas as economias estão baseadas na mesma falsa suposição: que não é necessário criar riqueza, que é suficiente apostar no casino financeiro e imobiliário. A diferença entre estes dois países e os restantes é que estes levaram essa falsa suposição a extremos insustentáveis, por isso caíram antes, Não significa que os outros não venham a cair.
Protagonista nos últimos anos do que os media burgueses apresentaram como uma sensacional história de «êxito», a Irlanda – tal como a Islândia, outra história de «êxito» - está agora imersa numa crise terminal. À recessão acrescenta-se o sector bancário mais golpeado pelas turbulentas apostas dos seus donos e um deficit público galopante, fundamentalmente provocado pelas contínuas ajudas – leia-se utilização dos dinheiros públicos para pagar as dívidas dos burgueses – a esse mesmo sector bancário.
Na realidade os media escondiam interesseiramente o que economicamente foi, de acordo com os manuais, um claro fracasso: abandono quase total do trabalho produtivo para se centrarem no improdutivo, a economia financeira e especulativa, que não produz riqueza: só redistribui a que existe, concentrando-a em poucas mãos (as mesmas de sempre).
O mesmo fizeram a maioria dos países, sendo que alguns – principalmente no Estado espanhol ou nos EUA, mas também na Irlanda – ainda agravaram a situação com a especulação imobiliária. Este «trabalho» improdutivo não só não produz riqueza para o conjunto das pessoas, como até fica uma boa parte da riqueza existente congelada em edifícios que não são utilizados à espera do aumento do seu preço.
A Irlanda anunciou novas injecções de milionárias quantias de dinheiro e avaliza as dívidas dos seus bancos. E isso constitui parte do problema: os estados não têm dinheiro para tapar os buracos criados pelos capitalistas. Os seus malabarismos financeiros atingiram tais extremos que a banca irlandesa está em queda livre e ameaça a própria solvência do Estado.
O seu deficit fiscal (despesas superiores às receitas) já ultrapassa os 6% do Produto Interno Bruto (PBI) e chegará aos 9% em 2009. Por esta qualificação creditícia a Irlanda já viu diminuída: prevê-se que o estado não tenha dinheiro para pagar os empréstimos aos organismos financeiros internacionais, e as emissões de obrigações do Tesouro ninguém as quer.
Pago-te amanhã
Bruxelas começa a deixar ver que os multimilionários salva-vidas aos donos da banca tiveram escassos resultados. Ainda qu não o diga claramente, isto deve-se, fundamentalmente a três razões:
- Niguem acredita que os Estados disponham de tanto dinheiro. As medidas de salvação estão a ser tomadas com pagarei, o que significa que se vão emitir bilhetes de Tesouro pelos montantes acordados, na esperança de que alguém os compre, coisa bem rara neste momento. Ou seja, os banqueiros estão a salvar-se com dinheiro que não existe e que, no final, em algum momento serão os povos a pagá-lo.
Os EUA estão na mesma situação, já que ninguém quer comprar os seus títulos do Tesouro, e para o seu famoso plano de 800.000 milhões chegou a uma solução trapaceira já utilizada em 2007: compra a si mesmo os títulos do Tesouro. Perante a pergunta óbvia de com que dinheiro os compra, a resposta mais plausível sugere que é com dinheiro recentemente impresso, isto é dinheiro sem qualquer valor (http://www.lahaine.org/index.php?p=36087).
- As apostas na bolsa e no mercado imobiliário dos banqueiros foram demasiado forte, e os efeitos vão chegando espaçados no tempo, à medida que se vencem as obrigações ou se desmoronam outros bancos e sociedade financeiras que tinham oferecido pechinchas para atrair esses banqueiros. É por isso que as ajudas de hoje, amanhã já não servem.
- Os banqueiros utilizam o dinheiro dos salva-vidas estatais para cobrir os seus prejuízos pessoais e o dos accionistas mais importantes, e não para dar crédito à indústria ou assegurar os depósitos dos clientes. Por isso a crise vai continuar e, seguramente, agravar-se.
A Comissária para a «Concorrência» da UE já avisou que a zona euro deverá «tomar decisões duras sobre reestruturações ou possíveis liquidações controladas. E estas decisões deverão adoptar-se muito rapidamente». Em linguagem de gente isto significa que o que até há muito pouco era o maior pecado de um governo neoliberal (estatizar já que o mercado com a sua eficiência resolve todos os problemas) tenta-se agora vender como o único remédio.
Perante a crise provocada pelas suas apostas irresponsáveis, o capitalismo volta à sua essência: a lei da selva, o salve-se quem puder, a lei do mais forte. Neste caso o mais forte é a Alemanha e a sua corte de países eficientes. Há que salvar o euro, ainda que caiam países «amigos».
A Alemanha recusa-se ajudar países de segundo nível
O ministro das Finanças alemão reclamou que os parceiros fortes do bloco não ajudem os países com problemas, que poderiam car em mora, e afirmou que a Irlanda é um país «muito difícil». Referia-se, evidentemente, à rejeição do povo irlandês ao tratado europeu, factura que agora vão fazer pagar.
O Comissário para os Assuntos Monetários da UE, o ex-candidato presidencial do PSOE Joaquin Almunia, sempre alinhado com as preocupações alemãs, já advertiu que a Irlanda, a Grécia, a Espanha, a França e Malta, países da zona euro, e a Letónia que não pertence ao bloco regional, têm deficits públicos excessivos (o máximo aprovado em Maastricht é 3% do PIB).
Em Espanha, apesar das reiteradas declarações de que «estamos melhor preparados que outros países para suportar a crise», declarações que também fizeram os ministros islandeses e irlandeses, a situação é crítica. Standard and Poor’s (sector da bolsa de Nova Iorque que se encarrega de classificar as empresas e países de acordo com o seu nível) reviu recentemente em baixa a qualificação da dívida de Espanha, Grécia e Portugal, o que obriga estes países a pagar taxas de juro mais elevadas nos empréstimos para financiar o deficit.
Como consequência desta situação, a diferença entre as taxas de juro de países da zona euro nunca foi tão elevada, o que dá argumentos aos alemães para afirmarem que «isto põe à prova a União Monetária, um dos fundamentos das UE». Enquanto a Alemanha tinha há uma semana uma taxa de juro para empréstimos a dez anos de 3,04%, a da Irlanda era de 5,54% e a da Grécia de 5,58%. Fora da zona euro, no leste da Europa, a da Polónia chegava a 6,12% e a da Hungria cerca de 12%.
O Tratado de Maastricht impede que o Banco Central Europeu (BCE) ou algum país ajude ao resgate de outro em caso de insolvência; o BCE, dominado pela Alemanha, mostra claramente que não está interessado em actuar em resgate dos Estados de segunda categoria e a Comissão Europeia não pode, segundo os tratados da UE, pedir fundos aos mercados. Dito por outras palavras, a ideia das «euro-obrigações» – empréstimos a Estados garantidos por vários países para dividir riscos – permanece bloquedapela Alemanha, que resiste a «pagar pelos outros».
Criar dois ou três ouros
A incerteza Teve consequências: em pouco tempo, o euro passou 1,60 para 1,25 dólares, coisa que preocupa os alemães já que, entre outras coisas, isto implica que são necessários mais euros para comprar combustíveis, matérias-primas e tudo o que no mercado internacional se vende em dólares. Para evitar que o euro continua a desvalorizar-se, arrastando para a queda os países de segunda categoria já se começa a falar de dois ou mais euros.
Na Alemanha, os planos de resgate de burgueses também denunciam um quadro de acordo com o tom geral: salve-se quem puder. E reafirmam a opinião dos analistas que o dinheiro é do BCE é para ajudar os países mais fortes. O governo da chanceler Ângela Merkel aprovou emenda que dá luz verde à nacionalização temporária dos bancos que estejam à beira da banca rota, o que vai exigir muito dinheiro e dinheiro valorizado.
É importante esclarecer este «temporal»: a privatização dos serviços públicos que dão lucro é definitiva, mas a estatização dos bancos é temporal. Isto é, quando a situação económica melhore os bancos serão devolvidos aos seus donos que, assim não terão de pagar do seu bolso os desastres que fizeram com o dinheiro dos clientes. Quando há perdas paga-as o Estado; quando houver lucros serão para os banqueiros.
Com estes dados. Começa a ficar claro o que se diz ser a intenção da Alemanha: manter um euro forte nos países nórdicos e alguns mais, e deixar à sua sorte ou criar um euro de segunda categoria para os restantes países. Ou talvez três euros: forte, médio (para a França, Espanha, Itália…) e fraco para a Irlanda, Grécia, Portugal e os países do Leste europeu.
Da esquerda à direita é agora moda dizer que a crise oferece oportunidades. A Alemanha já as está a ver: tira o apoio às ajudas da UE aos países de mais baixo nível económico, mas que vão continuara a ser mercados cativos, e com o euro forte pode comprar no mercado internacional em melhores condições e continuar como actor de primeiro nível na economia mundial, sobretudo agora que o dólar se debilita. E sonhar que um dia a sua moeda seja a de referência (o Reich que duraria 1.000 anos…).
Nota: Muitas das ideias exportas neste texto provêm do seminário promovido por Wim Dierccksens de 13 a 16 de Fevereiro de 2009 na Universidade Luterana de El Salvador
* Luciano Alzaga, jornalista, é amigo e colaborador de odiario.info.
Publicado em odiario.info
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